Amamentação - Parte III

(Continuamos à conversa com a Filipa)


Podes falar-nos agora da frequência das mamadas? Lembro-me vagamente de, nas aulas pré-parto, a enfermeira nos ter explicado que nunca devíamos deixar mais de 3 horas sem o bebé mamar. Lembro-me de ter ficado com uma associação errada dessa informação, fazendo com que o Simão quase nunca mamasse antes de ter passada essas 3 horas. Podes dizer-nos com que frequência costuma mamar um recém-nascido (RN) e qual pode ser a duração das mamadas durante os primeiros meses?

Há muita evidência e guidelines no sentido de que a amamentação deve ser em livre-demanda. Apesar de tudo, ainda continua a haver muita confusão sobre o que é a livre-demanda.
A primeira livre-demanda de que o bebé precisa, logo desde o primeiro minuto em que nasce, não é de amamentação, é de pele. Contacto pele-a-pele! E, infelizmente, dessa livre-demanda pouco se fala. Não são 5 minutos, nem 30 nem 60. O local certo para um bebé com minutos, horas, poucos dias de vida estar, é sobre o peito da mãe, de preferência em contacto com a pele dela - e também no do pai, ou outro cuidador significativo, para a mãe poder descansar.

Por que é que estou a falar de contacto pele-a-pele e não de mamadas? Porque a principal necessidade, nas primeiras horas de vida, não é leite. É pele. Os bebés têm um estômago minúsculo, do tamanho de um berlinde, ao nascer. E parece haver pessoas que pensam que este berlinde tem o tamanho de uma laranja! Não tem! Um bebé mantido em contacto pele-a-pele perde menos peso inicial, recupera mais rápido, ganha mais peso, chora muito menos (ou nada) e mama o que precisa. Alguns irão mamar frequentemente, outros irão mamar prolongadamente, outros irão mamar pouco depois de nascer e fazer uma grande pausa. Tudo isto é normal se o bebé for mantido em contacto pele-a-pele. Não, os níveis de glicemia não baixam num bebé mantido em contacto pele-a-pele, mesmo que mame, aparentemente, pouco. Digo "aparentemente" porque um estômago do tamanho de um "berlinde" não precisa de leite para encher uma "laranja".

Ao fim de uns dias, por volta do 4º a 7º dia, os bebés começam a "despertar para a vida", como eu costumo dizer. Se houve livre-demanda de contacto pele-a-pele e não houve interferências de biberões e suplementos, começam a mamar mais e melhor - as mães percebem quando os bebés mamam bem!  

É usual que um bebé desta idade mame 8 a 12 vezes por dia e por períodos de 30 a 60 minutos (em média). É normal que mame (alimentando-se) e depois permaneça na mama ou junto desta para dormir – não é apenas normal, é saudável que assim seja e essencial para a maturação neurológica do bebé e funcionamento normal do seu organismo. O habitat do bebé é o corpo da mãe e a mama funciona como uma placenta externa, que alimenta física e emocionalmente o bebé.

Qualquer frequência é válida, desde que a mãe sinta que o seu bebé se consegue alimentar efetivamente e que ela também está confortável. Se houver dor a amamentar, dificuldade do bebé em pegar na mama, ao 5º dia o bebé ainda fizer pouco cocó e de cor escura, urina amarelo mais escuro ou mesmo alaranjada, se depois da mamada a mama parece igualmente tensa, o bebé passa a maior parte do tempo em que está na mama a dormir ou a fazer movimentos muito rápidos e superficiais de sucção, é mesmo preciso procurar ajuda na amamentação - antes que a balança diga que o bebé perdeu 10% ou mais do peso com que nasceu!


Toda a gente fala em picos de crescimento. Afinal no que consistem e quais são os sinais dados pelo nosso bebé?

Os picos de crescimento, como têm sido definidos, são um mito urbano.
O "problema" é que estamos sempre à procura de padrões e de nomes para esses padrões. Tem de haver uma explicação, com nome, para tudo o que os bebés fazem. Um pico de crescimento, definido como mamadas frequentes, irritabilidade ao fim do dia, episódios de choro, dificuldade em adormecer ou manter o sono, etc., não é um pico de crescimento... É um bebé! É simplesmente um bebé. Os bebés são assim. Muito voláteis de dia para dia, e ao longo do crescimento, e constantemente a pedir ajuda ao principal cuidador, normalmente a Mãe, para tudo o que precisam - especialmente quanto mais novos são. É imaturidade neurológica. É normal!
A verdade é que não existe evidência de que os bebés mamem mais, durmam menos e fiquem mais irritados em ‘picos de crescimento’! Pelo contrário, há evidência científica de que os bebés, em pico de crescimento, dormem MAIS. E só faria sentido ser assim: é durante o sono que são segregadas as hormonas de crescimento; não quando estamos acordados e irritados!

Referência:

Infant Growth in Length Follows Prolonged Sleep and Increased Naps. 2011. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3079944

O conceito de ‘crise do desenvolvimento’ (o bebé está a aprender e desenvolver novas habilidades e isso provoca alterações no seu comportamento) foi introduzido, entretanto, para explicar esta irritabilidade, sono e alimentação alterados e, atualmente, parece ser o que faz mais sentido para explicar estas 'variações de humor' - se é que lhes podemos chamar assim - tão frequentes, em bebés menores de 4/5 meses.

Mamar é muito mais do que alimentar-se. Mamar tem uma importante função reguladora e re-organizadora a nível neurológico. Quando estamos ansiosos, preocupados, irritados, etc., procuramos conforto em coisas que sabemos que nos ajudam a acalmar - para nos re-organizarmos e regularmos. Os bebés amamentados, habitualmente, procuram a mama - porque sabem que funciona muito bem. E os bebés que não são amamentados, às vezes, também procuram a mama nessas alturas! É instintivo. O instinto é muito forte.

A frequência da amamentação é variável de dia para dia e ao longo do tempo, e isso é absolutamente saudável, e está longe de se relacionar apenas com necessidades nutricionais e calóricas. Tentar explicar o aumento da demanda de um bebé com necessidades calóricas, apenas, é reduzir a amamentação a leite. A amamentação é muito mais do que leite.





Sempre tive uma dúvida: os bebés que nascem de menos tempo (prematuros) ou que nascem ali coladinhos às 37 semanas, podem ter mais dificuldades nas mamadas?

Claro que sim! O bebé pratica a deglutição e a sucção in-utero. A maturação pulmonar total só acontece mesmo no finalzinho da gravidez - atualmente sabe-se, inclusive, que é a maturação total dos pulmões o fator desencadeador (ou um dos) do parto! Quando nasce, tem de aprender a coordenar a sucção, a deglutição e a respiração para que consiga mamar eficazmente. E o bebé faz essa aprendizagem logo nos primeiros dias, facilitado pela consistência única do colostro (mais viscoso do que o leite maduro).

Um prematuro (considera-se parto pré-termo até 36 semanas e 6 dias) ou de termo precoce (atualmente considera-se termo precoce até às 38 semanas e 6 dias), naturalmente, não teve tanto tempo para afinar estas importantes funções como um bebé nascido 2 ou 3 semanas mais tarde. Para nós, adultos, 2 ou 3 semanas é muito pouco em termos de desenvolvimento, para uma criança pode ser bastante, mas para um bebé in-utero, é IMENSO TEMPO! Acontece muita coisa, em termos de maturação e desenvolvimento, em apenas mais 2 ou 3 semanas dentro do útero materno.
Por isso, claro, podem apresentar mais dificuldades em mamar - assim como noutras funções. No entanto, a amamentação não é impossível! E, inclusive, já vi bebés de 36 semanas, por exemplo, mostrarem maior maturação neurológica e nas funções ligadas à sucção do que bebés com 38 semanas. Os bebés não são todos iguais em termos de desenvolvimento. Não se sentam ou andam todos na mesma idade, e o mesmo acontece com o desenvolvimento in-utero.


Obrigada Filipa pela tua disponibilidade 😉

Inês Leite Rocha

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